Juan Arias, correspondente do jornal espanhol El País
no Brasil, escreveu no dia 7 um artigo indagando onde estão os
indignados do Brasil. Por que não ocupam as praças para protestar contra
a corrupção e os desmandos? Não saberiam os brasileiros reagir à
hipocrisia e à falta de ética dos políticos? Será mesmo este um país
cujo povo tem uma índole de tal sorte pacífica que se contentaria com
tão pouco? Publiquei, posts abaixo, a íntegra de seu texto. Afirmei que
ensaiaria uma resposta, até porque a indagação de Arias, um excelente
jornalista, é procedente e toca, entendo, numa questão essencial dos
dias que correm. A resposta não é simples nem linear. Há vários fatores
distintos que se conjugam. Vamos lá.
Povo privatizado
O “povo” não está nas ruas, meu caro Juan, porque foi privatizado pelo PT. Note que recorro àquele expediente detestável de pôr aspas na palavra “povo” para indicar que o sentido não é bem o usual, o corriqueiro, aquele de dicionário. Até porque este escriba não acredita no “povo” como ente de valor abstrato, que se materializa na massa na rua. Eu acredito em “povos” dentro de um povo, em correntes de opinião, em militância, em grupos organizados — e pouco importa se o que os mobiliza é o Facebook, o Twitter, o megafone ou o sino de uma igreja. Não existe movimento popular espontâneo. Essa é uma das tolices da esquerda de matriz anarquista, que o bolchevismo e o fascismo se encarregaram de desmoralizar a seu tempo. O “povo na rua” será sempre o “povo na rua mobilizado por alguém”. Numa anotação à margem: é isso o que me faz ver com reserva crítica — o que não quer dizer necessariamente “desagrado” — a dita “Primavera Árabe”. Alguém convoca os “povos”.
O “povo” não está nas ruas, meu caro Juan, porque foi privatizado pelo PT. Note que recorro àquele expediente detestável de pôr aspas na palavra “povo” para indicar que o sentido não é bem o usual, o corriqueiro, aquele de dicionário. Até porque este escriba não acredita no “povo” como ente de valor abstrato, que se materializa na massa na rua. Eu acredito em “povos” dentro de um povo, em correntes de opinião, em militância, em grupos organizados — e pouco importa se o que os mobiliza é o Facebook, o Twitter, o megafone ou o sino de uma igreja. Não existe movimento popular espontâneo. Essa é uma das tolices da esquerda de matriz anarquista, que o bolchevismo e o fascismo se encarregaram de desmoralizar a seu tempo. O “povo na rua” será sempre o “povo na rua mobilizado por alguém”. Numa anotação à margem: é isso o que me faz ver com reserva crítica — o que não quer dizer necessariamente “desagrado” — a dita “Primavera Árabe”. Alguém convoca os “povos”.
No Brasil,
as esquerdas, os petistas em particular, desde a redemocratização, têm
uma espécie de monopólio da praça. Disse Castro Alves: “A praça é do
povo como o céu é do condor”. Disse Caetano Veloso: “A praça é do povo
como o céu é do avião” (era um otimista; acreditava na modernização do
Bananão). Disse Lula: “A praça é do povo como o povo é do PT”. Sim,
responderei ao longo do texto por que os não-petistas não vão às ruas
quase nunca. Um minutinho. Seguindo.
O “povo” não
está nas ruas, meu caro Juan Arias, porque o PT compra, por exemplo, o
MST com o dinheiro que repassa a suas entidades não exatamente para
fazer reforma agrária, mas para manter ativo o próprio aparelho político
— às vezes crítico ao governo, mas sempre unido numa disputa eleitoral.
Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad, ministro da Educação e
candidato in pectore do Apedeuta à Prefeitura de São Paulo,
estarão neste 13 de julho no 52º Congresso da UNE. Os míticos estudantes
não estão nas ruas porque empenhados em seus protestos a favor. Você
tem ciência, meu caro Juan, de algum outro país do mundo em que se fazem
protestos a favor do governo? Talvez na Espanha fascista que seus pais
conheceram, felizmente vencida pela democracia. Certamente na Cuba
comuno-fascistóide dos irmãos Castro e na tirania síria. E no Brasil.
Por quê?
Porque a UNE
é hoje uma repartição pública alimentada com milhões de reais pelo
lulo-petismo. Foi comprada pelo governo por quase R$ 50 milhões. Nesse
período, esses patriotas, meu caro Juan, se mobilizaram, por exemplo,
contra o “Provão”, depois chamado de Enade, o exame que avalia a
qualidade das universidades, mas não moveram um palha contra o esbulho
que significa, NA FORMA COMO EXISTE, o ProUni, um programa que já
transferiu bilhões às mantenedoras privadas de ensino, sem que exista a
exigência da qualidade. Não se esqueça de que a UNE, durante o mensalão,
foi uma das entidades que protestaram contra o que a canalha chamou
“golpe da mídia”. Vale dizer: a entidade saiu em defesa de Delúbio
Soares, de José Dirceu, de Marcos Valério e companhia. Um de seus
ex-presidentes e então um dos líderes das manifestações que resultaram
na queda de Fernando Collor é hoje senador pelo PT do Rio e defensor
estridente dos malfeitos do PT. Apontá-los, segundo o agora conservador
Lindbergh Farias, é coisa de conspiração da “elites”. Os antigos
caras-pintadas têm hoje é a cara suja; os antigos caras-pintadas se
converteram em verdadeiros caras-de-pau.
Centrais sindicais
O que alguns chamam “povo”, Juan, chegaram, sim, a protestar em passado nem tão distante, no governo FHC. Lá estava, por exemplo, a sempre vigilante CUT. Foi à rua contra o Plano Real. E o Plano Real era uma coisa boa. Foi à rua contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. E a Lei de Responsabilidade Fiscal era uma coisa boa. Foi à rua contra as privatizações. E as privatizações eram uma coisa boa. Saiba, Juan, que o PT votou contra até o Fundef, que era um fundo que destinava mais recursos ao ensino fundamental. E onde estão hoje a CUT e as demais centrais sindicais?
O que alguns chamam “povo”, Juan, chegaram, sim, a protestar em passado nem tão distante, no governo FHC. Lá estava, por exemplo, a sempre vigilante CUT. Foi à rua contra o Plano Real. E o Plano Real era uma coisa boa. Foi à rua contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. E a Lei de Responsabilidade Fiscal era uma coisa boa. Foi à rua contra as privatizações. E as privatizações eram uma coisa boa. Saiba, Juan, que o PT votou contra até o Fundef, que era um fundo que destinava mais recursos ao ensino fundamental. E onde estão hoje a CUT e as demais centrais sindicais?
Penduradas
no poder. Boa parte dos quadros dos governos Lula e Dilma vem do
sindicalismo — inclusive o ministro que é âncora dupla da atual gestão:
Paulo Bernardo (Comunicações), casado com Gleisi Hoffmann (Casa Civil). O
indecoroso Imposto Sindical, cobrado compulsoriamente dos
trabalhadores, sejam sindicalizados ou não, alimenta as entidades
sindicais e as centrais, que não são obrigadas a prestar contas dos
milhões que recebem por ano. Lula vetou o expediente legal que as
obrigava a submeter esses gastos ao Tribunal de Contas da União. Os
valentes afirmaram, e o Apedeuta concordou, que isso feria a autonomia
das entidades, que não se lembraram, no entanto, de serem autônomas na
hora de receber dinheiro de um imposto.
Há um pouco
mais, Juan. Nas centrais, especialmente na CUT, os sindicatos dos
empregados das estatais têm um peso fundamental, e eles são hoje os
donos e gestores dos bilionários fundos de pensão manipulados pelo
governo para encabrestar o capital privado ou se associar a ele — sempre
depende do grau de rebeldia ou de “bonomia”do empresariado.
O MST, A UNE
E OS SINDICATOS NÃO ESTÃO NAS RUAS CONTRA A CORRUPÇÃO, MEU CARO JUAN,
PORQUE SÃO SÓCIOS MUITO BEM-REMUNERADOS DESSA CORRUPÇÃO. E fornecem, se
necessário, a mão-de-obra para o serviço sujo em favor do governo e do
PT. NÃO SE ESQUEÇA DE QUE A CÚPULA DOS ALOPRADOS PERTENCIA TODA ELA À
CUT. Não se esqueça de que Delúbio Soares, o próprio, veio da… CUT!
Isso explica tudo? Ou: “Os Valores”
Ainda não!
Ainda não!
Ao longo dos
quase nove anos de poder petista, Juan, a sociedade brasileira ficou
mais fraca, e o estado ficou mais forte; não foi ela que o tornou mais
transparente; foi ele que a tornou mais opaca. Em vez de se
aperfeiçoarem os mecanismos de controle desse estado, foi esse estado
que encabrestou entidades da sociedade civil, engajando-as em sua pauta.
Até a antes sempre vigilante Ordem dos Advogados do Brasil flerta
freqüentemente com o mau direito — e o STF não menos — em nome do
“progresso”. O petismo fez das agências reguladoras meras repartições
partidárias, destruindo-lhes o caráter.
Enfraqueceram-se
enormemente os fundamentos de uma sociedade aberta, democrática,
plural. Em nome da diversidade, da igualdade e do pluralismo, busca-se
liquidar o debate. A Marcha para Jesus, citada por você, à diferença do
que querem muitos, é uma das poucas expressões do país plural que existe
de fato, mas que parece não existir, por exemplo, na imprensa. À
diferença do que pretendem muitos, os evangélicos são um fator de
progresso do Brasil — se aceitarmos, então, que a diversidade é um valor
a ser preservado.
Por que digo
isso? Olhe para a sua Espanha, Juan, tão saudavelmente dividida, vá lá,
entre “progressistas” e “conservadores” — para usar duas palavras
bastante genéricas —, entre aqueles mais à esquerda e aqueles mais à
direita, entre os que falam em nome de uma herança socialista e mais
intervencionista, e os que se pronunciam em favor do liberalismo e do
individualismo. Assim é, você há de convir, em todo o mundo democrático.
Veja que
coisa, meu caro: você conhece alguma grande democracia do mundo que, à
moda brasileira, só congregue partidos que falam uma linguagem de
esquerda? Pouco importa, Juan, se sabem direito o que dizem e são ou não
sinceros em sua convicção. O que é relevante é o fato de que, no fim
das contas, todos convergem com uma mesma escolha: mais estado e menos
indivíduo; mais controle e menos liberdade individual. Como pode, meu
caro Juan, o principal partido de oposição no Brasil pensar, no fim das
contas, que o problema do PT é de gestão, não de valores? Você consegue
se lembrar, insisto, de alguma grande democracia do mundo em que a
palavra “direita” virou sinônimo de palavrão? Nem na Espanha que superou
décadas de franquismo.
Imprensa
Se você não conhece democracia como a nossa, Juan, sabe que, com as exceções que confirmam a regra, também não há imprensa como a nossa no mundo democrático no que concerne aos valores ideológicos. Vivemos sob uma quase ditadura de opinião. Não que ela deixe de noticiar os desmandos — dois ministros do governo Dilma caíram, é bom deixar claro, porque o jornalismo fez o seu trabalho. Mas lembre-se: nesta parte do texto, trato de valores.
Se você não conhece democracia como a nossa, Juan, sabe que, com as exceções que confirmam a regra, também não há imprensa como a nossa no mundo democrático no que concerne aos valores ideológicos. Vivemos sob uma quase ditadura de opinião. Não que ela deixe de noticiar os desmandos — dois ministros do governo Dilma caíram, é bom deixar claro, porque o jornalismo fez o seu trabalho. Mas lembre-se: nesta parte do texto, trato de valores.
Tome como
exemplo o Código Florestal. Um dia você conte em seu jornal que o Brasil
tem 851 milhões de hectares. Apenas 27% são ocupados pela agricultura e
pela pecuária; 0,2% estão com as cidades e com as obras de
infra-estrutura. A agricultura ocupa 59,8 milhões (7% do total); as
terras indígenas, 107,6 milhões (12,6%). Que país construiu a
agropecuária mais competitiva do mundo e abrigou 200 milhões de pessoas
em apenas 27,2% de seu território, incluindo aí todas as obras de
infra-estrutura? Tais números, no entanto — do IBGE, do Ibama, do Incra e
da Funai — são omitidos dos leitores (e do mundo) em nome da causa!
A crítica na
imprensa foi esmagada pelo engajamento; não se formam nem se alimentam
valores de contestação ao statu quo — que hoje, ora veja!, é petista.
Por quê? Porque a imprensa de viés realmente liberal é minoritária no
Brasil. Dá-se enorme visibilidade aos movimentos de esquerdistas, mas se
ignoram as manifestações em favor do estado de direito e da legalidade.
Curiosamente, somos, sim, um dos países mais desiguais do mundo, que
está se tornando especialista em formar líderes que lutam… contra a
desigualdade. Entendeu a ironia?
Quem vai à rua?
Ora, Juan, quem vai, então, à rua? Os esquerdistas estão se fartando na lambança do governismo, e aqueles que não comungam de suas idéias e que lastimam a corrupção e os desmandos praticamente inexistem para a opinião pública. Quando se manifestam, são tratados como párias. Ou não é verdade que a imprensa trata com entusiasmo os milhões da parada gay, mas com evidente descaso a marcha dos evangélicos? A simples movimentação de algumas lideranças de um bairro de classe média para discutir a localização de uma estação de metro é tratada por boa parte da imprensa como um movimento contra o… “povo”.
Ora, Juan, quem vai, então, à rua? Os esquerdistas estão se fartando na lambança do governismo, e aqueles que não comungam de suas idéias e que lastimam a corrupção e os desmandos praticamente inexistem para a opinião pública. Quando se manifestam, são tratados como párias. Ou não é verdade que a imprensa trata com entusiasmo os milhões da parada gay, mas com evidente descaso a marcha dos evangélicos? A simples movimentação de algumas lideranças de um bairro de classe média para discutir a localização de uma estação de metro é tratada por boa parte da imprensa como um movimento contra o… “povo”.
As esquerdas
dos chamados movimentos sociais estão, sim, engajadas, mas em defender o
governo e seus malfeitos. Afirmam abertamente que tudo não passa de uma
conspiração contra os movimentos populares. As esquerdas infiltradas na
imprensa demonizam toda e qualquer reação de caráter legalista — ou que
não comungue de seus valores ditos “progressistas” — como expressão não
de um pensamento diferente, divergente, mas como manifestação de
atraso.
Descrevi,
meu caro Juan, o que vejo. Isso tem de ser necessariamente assim? Acho
que não! A quem cabe, então, organizar a reação contra a passividade e a
naturalização do escândalo, na qual se empenha hoje o PT? Essa
indagação merecerá resposta num outro texto, que este já vai longe. Fica
para depois do meu descanso.
Do seu colega brasileiro Reinaldo Azevedo.
Porque o brasileiro prefere é um povo sem cultura, ama mais seu time de futebol que o seu pais...se o brasileiro cobrasse dos políticos como cobram dos times de futebol, muita coisa seria melhorada nesse pais.....
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